ponte metálica

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quase toda a orla turística de fortaleza, andamos. sentamos naquele banco de praça, sem ser praça. encostei minha cabeça em seu peito, arfando de tanto caminhar e duvidei: não era você. passava das duas da manhã, apenas os amantes, os ousados, os despretenciosos e os malintencionados ainda habitavam aquele espaço. você me puxou pela mão e disse que ia me mostrar um céu diferente. eu fui. debaixo da ponte metálica há um universo paralelo: ondas, catitas, lixo, sal, latas de cervejas vazias e o coração pulsante de medo e desejo. você me lambeu o pescoço inteiro, fiquei paralisada. mordiscou-me as costas toda, alguns profundos gemidos ecoei. tomei as rédeas do desenfreio do desejo e disse: sou minha. levantei-me vestindo minha blusa e constatei:
não era você.


foto: Micélia Oliveira

nós duas consumindo as noites

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são as tuas mãos, teus olhos
tua respiração tão de perto
tua risada, meu hino nacional
teu corpo inteiriço em minha direção
vindo,
estando,
querendo
sendo gerúndio
sendo presente
sem promessa de futuro
ainda que com milhares de mistérios
estupefata em tuas delicadezas
sobre o meu corpo caindo tuas lágrimas
numa infinidade de
amor-desejo-fome
nós duas consumindo as noites
engolindo os dias
em busca de resignificar
de sentir os porquês
de entender o absurdo que é

te amar, Jamille.

estruturas que se espalham e se apossam

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respire fundo.
ecoa na epiderme o cuidado imperioso. e eu busco o ar em mais uma tentativa de deixar o mundo me pertencer, percorrer alvéolos e pleura executando as gasosas trocas entre o que irá me manter aqui, pés firmes no chão, pele a receber estímulos, espasmos e delírios.

o deleite é certo: tudo está em estado de impermanência, hoje aprecio e aguardo a próxima onda se aproximar sem saber se mergulho, salto ou me deixo levar. todas as experiências que carrego desde o iniciar de minha existência me interessam, me contemplam, me fortalecem.

meus desejos, esses de Anna, esses de ontem e do porvir confirmam e celebram estruturas que se espalham e se apossam de tudo o que eu não sei.

e tudo o que eu não sei
é também o meu desejo.

Aconteceu

Quase ninguém sabe, mas antes de existir o amor, existe – pra mim – a admiração. Aquela coisa de achar bom e bonito algo que você sabe fazer e que anula uma ou outra coisa que eu não goste em ti.Hoje você me acordou com um beijo molhado e um sorriso tão lindo, meu amor. Logo em seguida me entregou nosso filho num convite festivo: vamos à praia? Celebrar o aniversário do nosso primeiro beijo!

Há um ano, amor, tenho estado apaixonada por você: por te ver me contar sobre uma teoria ou sobre o vídeo engraçado que te enviaram. Apaixonada de ver teu olho brilhando quando me explica sobre a harmonia das canções ou sobre os gostos das comidas. É arrebatamento total te ver dançar Lady GaGa pela casa enquanto prepara mais um drink em dias de faxina.

Eu estou completamente achada de amor quando te observo lendo um livro, uma bula de remédio, abrindo o maço de cigarros, ajeitando os óculos no nariz, escrevendo qualquer recado ou poesia por tua mão canhota, a mesma que decide que é hora de fazer as minhas sobrancelhas ou aparar meu cabelo. Que tal mudar de cor?! Com você, eu topo. Eu topo porque eu sei que não irá me abandonar, como tem sido há tanto tempo.

Por mais que eu tenha te reconhecido há quase catorze anos: tu, ainda aquela menina dos olhos mais lindos e que me perguntava coisas e pedia cigarros; te reconhecer, hoje, ainda aquela garota que tem a capacidade de me fazer dar risada e de me apresentar as fronteirices inexistentes do amor, me é sensação das mais caras! Com você por perto desejei voltar a dançar. Com você em mim, desejei te entregar uma estrela. Nós duas, o nosso encontro e reencontro, não poderia jamais passar incólume ao cotidiano dos dias.

Há um ano, os tais 365 dias, desde aquela noite, ultrapassar os medos, me abrir ao novo, celebrar o estarmos vivas, segurar tua mão, percorrer as ruas tão nossas, seis cervejas e toda a conversa do mundo, respirar bem perto teu cheiro, tocar teus lábios, perder o ar, te agarrar bem forte e entender que eu te amo para além do coração:

Meu bem, eu te amo imenso com a pele inteira.

querer ficar, aos quase quarenta e três

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me lembrar que tenho quarenta e dois anos. que a noite de sono não dormida não é perdida, mas jamais recuperada. que embora eu ainda sinta uma vasta disposição para tantas coisas, meu corpo tem novo ritmo. que tenho novas escolhas, fazendo circular o que antes nem me despertava a atenção em meu foco total.

ter quarenta e dois anos e continuar querendo a calma, ainda que a paixão me sacuda inteiriça como um lençol branquinho e cheiroso secando no varal, bailando ao vento. ter quarenta e dois e, sim, não desistir de quem desiste, não como uma salvadora, mas a quem, tantas vezes preciso for, saber ofertar a mão, o abraço, a escuta, o afeto.

ter quarenta e dois anos e me orgulhar lua após lua do tamanho da minha grandeza e dos imensos significados de cada lágrima ou risada minha: foi um longo caminho até aqui.

ter quarenta e dois anos e continuar me assombrando feliz com os enredos que a vida me presenteia, com os encontros e – também – os desencontros. saber chegar e saber sair.

querer ficar, aos quase quarenta e três.

estudo da geografia do teu sorriso,

eu sei que o meu signo não combina com o seu e que todos os esteriótipos parecem saídos daquela música do ivan lins. todo mundo sabe disso e faz rodeios, pigarreia e não hesita por mais de dez minutos pra sentenciar:
você está apaixonada.

eu penso em todas as vezes em que já estive imensamente feliz e concluo que, sim, a paixão pode ser também esse estudo da geografia do teu sorriso, o atravessar de mares e marés que me desdobro ao aproveitar o nado ainda que morrendo de medo porque os pés sabem que a terra firme está há metros e metros e metros longe do que eu entendi – uma vida inteira – como sendo
segurança.

absurda de existir

aquele texto que não escrevi. o beijo que não te dei. o café da manhã que nunca preparei. o livro que nunca lemos. a pipoca no cinema que jamais dividimos. as três cervejas que nunca te paguei. a música que não dançamos. a viagem que não planejamos. a carta de amor que nunca te enviei. a música na rádio que nunca pedi pra dedicar pra ti. as linhas das minhas mãos que ainda não encontraram as tuas

e essa necessidade absurda de existir em ti.

sentada de pernas cruzadas em minha janela

eu gosto mesmo é de lembrar de você em pequenos lampejos no meio do dia: aquela música que você inventou de dizer que parece comigo e agora eu a escuto pensando em ti. o cigarro que fumas, um atrás do outro, sentada de pernas cruzadas em minha janela enquanto vamos tagarelando qualquer coisa que continue a nos conectar como há tantas luas e tantos sóis. de repente, na lista virtual do mercantil, eu peço o teu café descafeinado pra fechar os olhos e lembrar do nosso beijo, da tua intensidade, da minha falsa calmaria e me dar conta

que o amor pode ser também essa dança leve e linda.